Cibersegurança em ambientes OT: como proteger a segurança industrial

A transformação digital, impulsionada pela Indústria 4.0, redesenhou o cenário industrial no mundo todo. A integração de tecnologias da informação (TI) e tecnologias operacionais (TO), como Internet das Coisas (IoT), inteligência artificial (IA) e automação avançada, gerou muitos ganhos empresas. No entanto, essa convergência inevitável abriu uma nova e perigosa fronteira de risco, onde falhas digitais podem ter grandes consequências. 

A cibersegurança deixou de ser assunto só de TI. Hoje, nos setores de energia, óleo e gás e na indústria como um todo, ela tem uma missão: proteger sistemas, pessoas, operações e serviços essenciais para sociedade. Não se trata mais apenas de evitar invasões digitais, é uma questão de manter tudo funcionando com segurança, de evitar paradas, prejuízos e até riscos à população.

Até porque, os ataques cibernéticos a essas infraestruturas críticas não são mais teóricos. O setor de energia, por exemplo, foi o terceiro mais visado por ataques em 2022, e a manufatura lidera o ranking de incidentes pelo terceiro ano consecutivo. As consequências vão muito além da perda de dados. Um ataque bem-sucedido pode resultar em paralisação de operações, danos a equipamentos caros, destruição de propriedade, desastres ambientais e até lesões corporais ou perda de vidas. 

E neste artigo técnico, vamos explora a anatomia do risco cibernético em ambientes de Tecnologia Operacional (OT), detalhando as ameaças, as vulnerabilidades a esses sistemas e as estratégias defensivas importantes para proteger a espinha dorsal da nossa economia. Confira! 

O cenário de ameaças 

A crescente interconexão dos sistemas industriais expandiu drasticamente a superfície de ataque, os tornando alvos lucrativos para uma variedade de agentes maliciosos, desde cibercriminosos com motivações financeiras até atores estatais com objetivos geopolíticos. 

A maioria dos ataques a ambientes OT não começa no chão de fábrica. Cerca de 75% dos incidentes que afetam a OT tem origem na rede de TI corporativa. Uma vez que um invasor ganha acesso à rede de TI, ele pode se mover lateralmente até alcançar os sistemas de controle industrial. Um dos meios mais comuns são: 

  • E-mails maliciosos continuam sendo uma das táticas mais eficazes, enganando funcionários para que revelem credenciais ou executem malwares. 
  • O uso de senhas fracas, credenciais padrão de fábrica não alteradas ou o roubo de credenciais de acesso remoto oferecem um caminho direto para os invasores. 
  • Um simples pendrive infectado, levado para a planta por um funcionário ou prestador de serviço, pode introduzir malware diretamente em estações de trabalho de engenharia ou controladores. 
  • Atacantes procuram ativamente por softwares e sistemas que não receberam as devidas atualizações de segurança, uma condição comum em ambientes industriais. 

 Exemplos ocorridos pelo mundo 

Aqui, trouxemos alguns exemplos que demonstram o potencial destrutivo dos ciberataques em infraestruturas críticas. Esses incidentes servem como um alerta severo sobre a realidade e a gravidade das ameaças. 

Nome do Ataque/Malware 

Ano(s) 

Setor Alvo 

Impacto Físico/Operacional 

Stuxnet

2010

Nuclear

Destruiu fisicamente centrífugas de enriquecimento de urânio ao manipular a lógica de Controladores Lógicos Programáveis (PLCs), enquanto mostrava leituras normais aos operadores.

Industroyer/BlackEnergy

2015/2016

Elétrico

Causou apagões em massa na Ucrânia ao interagir diretamente com protocolos de redes elétricas para desligar subestações.

Triton (TRISIS)

2017

Petroquímico

Atacou especificamente os Sistemas Instrumentados de Segurança (SIS), projetados para prevenir desastres, com o objetivo de causar uma falha catastrófica na planta.

Colonial Pipeline

2021

Óleo e Gás

Um ataque de ransomware na rede de TI forçou o desligamento preventivo do maior oleoduto de combustíveis dos EUA, causando pânico e escassez de abastecimento.

Cyber Av3ngers

2023

Água e Esgoto

Invasores manipularam PLCs expostos à internet com senhas padrão, causando o transbordamento de tanques de água em múltiplas instalações nos EUA.

Como podemos observar, esses incidentes ilustram uma tendência clara: os ataques estão se tornando mais frequentes e os alvos, mais diversificados, afetando desde a segurança nacional até a continuidade de serviços para a sociedade. 

Por que o risco em OT é diferente? 

 Tentar proteger um ambiente industrial com a mesma mentalidade e as mesmas ferramentas da TI tradicional é uma receita para o fracasso. A OT possui características, prioridades e tecnologias fundamentalmente distintas. 

A Tecnologia da Informação (TI) gerencia o fluxo de dados e informações, utilizando sistemas como servidores, bancos de dados e computadores em ambientes de escritório. Sua prioridade de segurança é a tríade. CIA: confidencialidade, integridade e disponibilidade. Proteger os dados contra roubo é o objetivo principal. 

A Tecnologia Operacional (OT), por outro lado, monitora e controla processos e equipamentos no mundo físico, por meio de Sistemas de Controle Industrial (ICS), como SCADA, PLCs e sensores. Aqui, a prioridade de segurança é invertida para a tríade: 

  1. Disponibilidade: é a prioridade máxima. Uma parada não planejada na produção ou no fornecimento de um serviço essencial (energia, água) é o pior cenário, podendo causar perdas financeiras massivas e impacto social. 
  1. Integridade: a alteração não autorizada de um parâmetro de controle, a pressão em um duto, a velocidade de uma turbina, pode levar a produtos defeituosos, danos a equipamentos ou acidentes graves. 
  1. Confidencialidade: embora importante, é a menor das prioridades. O vazamento de uma fórmula de processo é um problema, mas uma explosão na planta é uma catástrofe. 

Essa inversão fundamental explica por que políticas de TI, como forçar reinicializações para aplicar patches, são impraticáveis e perigosas em OT. 

O desafio dos sistemas legados e a gestão de patches 

Um dos maiores obstáculos para a segurança OT é a prevalência de sistemas legados. Muitos equipamentos industriais foram projetados para durar décadas e operam com softwares e firmwares que não recebem atualizações de segurança há anos. A aplicação de patches em OT é uma operação de alto risco, como: 

  • Risco de inatividade: a aplicação de um patchexige geralmente o desligamento do sistema, o que é extremamente caro e complexo em uma operação; 
  • Risco de incompatibilidade: um patch pode ser incompatível com o hardware ou software antigo, causando falhas operacionais. A validação pelo fabricante do equipamento é um processo lento, quando disponível; 
  • Falta de patches: para muitos sistemas antigos, os fabricantes simplesmente não fornecem mais atualizações, deixando as vulnerabilidades permanentemente expostas. 

Como resultado, as redes industriais estão repletas de vulnerabilidades conhecidas e não corrigidas, as tornando alvos fáceis para invasores. 

 Melhores práticas para OT 

Uma defesa boa em OT exige uma abordagem proativa, em camadas e baseada em risco, utilizando frameworks e práticas recomendadas específicas para o ambiente industrial, como a defesa em profundidade e segmentação de rede. 

O princípio da Defesa em profundidade é a base da segurança OT. Ele assume que nenhuma defesa é infalível, portanto, múltiplas camadas de segurança devem ser implementadas para que, se uma falhar, outras possam conter a ameaça. 

Por outro lado, tem a segmentação de rede é a aplicação prática mais importante deste princípio. Utilizando o Modelo Purdue como referência, as redes industriais devem ser divididas em zonas lógicas com base na criticidade e função dos ativos. O objetivo é isolar a rede de controle (OT) da rede corporativa (TI) por meio de uma Zona Desmilitarizada (DMZ) e firewalls. Uma segmentação robusta impede que um ataque de ransomware na rede de TI se espalhe diretamente para um PLC no chão de fábrica, contendo o dano. 

Controle de acesso e monitoramento contínuo 

Para proteger redes OT, é importante implementar um controle de acesso rigoroso baseado no princípio do menor privilégio e no modelo Zero Trust (“nunca confie, sempre verifique”). Isso significa que usuários e dispositivos só devem ter acesso aos recursos estritamente necessários para suas funções, com autenticação forte, como a autenticação multifator (MFA), sempre que possível. 

O monitoramento contínuo da rede com Sistemas de Detecção de Intrusão (IDS) industriais é vital. Essas ferramentas são capazes de analisar protocolos OT específicos (como Modbus, DNP3, Profinet) e usar machine learning para detectar anomalias e atividades suspeitas em tempo real, permitindo uma resposta rápida antes que um incidente cause danos significativos. 

O fator humano e a importância dos treinamentos  

Tecnologias e frameworks são apenas parte da solução. O elemento mais crítico, e muitas vezes o mais vulnerável, é o fator humano. A indústria enfrenta uma grave escassez de profissionais com a combinação de habilidades necessárias em engenharia, redes industriais e cibersegurança. No Brasil, estima-se um déficit de 140 mil profissionais de cibersegurança até 2025, e a demanda continua a crescer exponencialmente. 

A teoria, por si só, é insuficiente para preparar um profissional para a realidade de um ataque em tempo real, onde decisões precisam ser tomadas sob pressão com consequências físicas iminentes. Pesquisas mostram que 95% dos empregadores consideram a experiência prática (hands-on) como o fator mais importante ao avaliar candidatos, superando o conhecimento puramente teórico. 

É aqui que o treinamento prático em laboratórios se torna inestimável. Ambientes seguros (sandboxes) que utilizam hardware industrial real permitem que os profissionais simulem ataques, explorem vulnerabilidades e pratiquem a defesa sem arriscar uma planta de produção. Essa experiência constrói a “memória muscular” necessária para reagir de forma rápida e correta durante uma crise, transformando conhecimento em competência real. 

Para além da segurança  

O cenário de risco para os setores de energia, óleo e gás, e manufatura é claro, presente e crescente. A convergência TI/OT, embora benéfica para a eficiência, expôs a espinha dorsal da nossa indústria a ameaças que podem paralisar operações, causar prejuízos massivos e colocar vidas em perigo. Proteger esses ambientes críticos exige mais do que firewalls e antivírus; requer uma estratégia de segurança profunda, adaptada às realidades únicas da Tecnologia Operacional. 

E a questão não é se um ataque vai ocorrer, mas o quanto a sua equipe está preparada para evitá-lo. 

Texto: Rolf Massao Satake Gugisch, gestor do Centro de Segurança Cibernética – Itaipu Parquetec. 

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